quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A Pequena Vendedora de Fósforos

       Que frio tão atroz! Caía a neve e a noite sobrevinha. Era dia de Natal. No meio do frio e da escuridão, uma pobre menina passou pela rua com a cabeça e os pés descobertos.
       É verdade que tinha sapatos quando saíra de casa. Eram uns sapatos enormes que sua mãe já havia usado: tão grandes que a menina os perdeu quando atravessou a rua a correr para que as carruagens que iam em direcções opostas não a atropelassem.
       A menina caminhava, pois, com os pezinhos descalços, que estavam vermelhos e azuis de frio. Levava no avental algumas dúzias de caixas de fósforos e tinha na mão uma delas como amostra. Era um péssimo dia: nenhum comprador havia aparecido e, por consequência, a menina não tinha ganho nem um cêntimo. Tinha muita fome, muito frio e um aspecto miserável. Os flocos de neve caíam sobre seus longos cabelos loiros, que se esparramavam em lindos caracóis sobre o pescoço; porém, não pensava nos seus cabelos. Via a agitação das luzes através das janelas; sentia o cheiro dos assados por todo o lado.
       Sentou-se numa pracinha e acomodou-se num cantinho entre duas casas. O frio apoderava-se dela e inchava os seus membros; mas não se atrevia a aparecer em sua casa; voltava com todos os fósforos e sem nenhuma moeda. A sua madrasta iria maltratá-la e, além disso, na sua casa também estava muito frio. Viviam debaixo do telhado, a casa não tinha tecto e o vento soprava com fúria, apesar das aberturas maiores terem sido cobertas com palha e trapos velhos. Suas mãozinhas estavam quase duras de frio. Ah! Quanto prazer lhe causaria aquecer-se com um fósforo! Se ela se atrevesse a tirar só um da caixa, aqueceria os dedos! Tirou um! Rich! Como iluminava e como aquecia! Tinha uma chama clara e quente, quando a rodeou com sua mão. Que luz tão bonita! A menina acreditava que estava sentada em uma chaminé de ferro, enfeitada com bolas e coberta com uma capa de latão reluzente. Luzia o fogo ali de uma forma tão linda! Aquecia tão bem!
       Mas tudo acaba no mundo. A menina estendeu seus pezinhos para aquecê-los também, mas a chama apagou-se: não havia nada mais na sua mão além de um pedacinho de fósforo. Riscou outro, que acendeu e brilhou como o primeiro; e ali onde a luz caiu sobre a parede, fez-se tão transparente como uma gaze. A menina imaginou ver um salão, onde a mesa estava coberta com uma toalha branca resplandecente com finas porcelanas e sobre a qual um peru assado e recheado de trufas exalava um cheiro delicioso. Oh, surpresa! Oh, felicidade! Mas o segundo fósforo apagou-se e ela não viu diante de si nada mais que a parede impenetrável e fria.
        Acendeu um novo fósforo. Acreditou, então, que estava sentada perto de um magnífico presépio: era mais bonito e maior que todos os que havia visto aqueles dias nas vitrinas dos mais ricos comércios. Mil luzes ardiam nas arvorezinhas; os pastores e pastoras pareciam começar a sorrir para a menina. Esta levantou então as duas mãos e o fósforo apagou-se. Todas as luzes do presépio se foram, e ela compreendeu, então, que não eram nada além de estrelas. Uma delas passou traçando uma linha de fogo no céu.
       Isto quer dizer que alguém morreu — pensou a menina; porque sua avó, que era a única que havia sido boa para ela, mas que já não estava viva, lhe havia dito muitas vezes: «Quando cai uma estrela, é porque uma alma sobe para o trono de Deus.» 
       A menina ainda riscou outro fósforo na parede e imaginou ver uma grande luz, no meio da qual estava sua avó em pé, com um aspecto sublime e radiante.
       — Avó! — gritou a menina. — Leva-me contigo! Quando o fósforo se apagar, eu sei bem que não te verei mais! Desaparecerás como a chaminé de ferro, como o peru assado e como o formoso nascimento!
       Depois atreveu-se a riscar o resto da caixa, porque queria conservar a ilusão de que via sua avó e os fósforos abriram-lhe uma claridade vivíssima. Nunca a avó lhe havia parecido tão grande nem tão bonita. Pegou a menina nos braços e as duas subiram no meio da luz até um lugar tão alto que ali não fazia frio, nem se sentia fome, nem tristeza: até ao trono de Deus.
       Quando raiou o dia seguinte, a menina continuava sentada entre as duas casas, com as bochechas vermelhas e um sorriso nos lábios. Morta, morta de frio na noite de Natal! O sol iluminou aquele terno ser, sentado ali com as caixas de fósforos, das quais uma havia sido riscada por completo.
       — Queria aquecer-se, a pobrezinha! — Disse alguém.
      Mas ninguém podia saber as coisas lindas que havia visto, nem em meio de que esplendor havia entrado com sua idosa avó no reino dos céus.

(Adapt.) Hans Christian Andersen, Contos de Andersen, Grimm e Perraultm,
in Nós e o Mundo. (Manual de EMRC). 6.º Ano. SNEC. pp 101-102.

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